domingo, 24 de fevereiro de 2013



 
"Mas a ideia de que a inactividade e o désoeuvrement definem a essência, ou melhor, a prática específica, do homem é – como decerto terão já compreendido – precisamente a hipótese que eu vos pretendo propôr. E não só porque me parece ser esta a única perspectiva a partir da qual é possível encontrar uma resposta para as questões que temos vindo até aqui a colocar: Porque precisa o poder da inactividade e da glória? O que é tão essencial nestes para que o poder necessite de os inscrever a todo o custo no centro vazio do seu sistema governamental? De que retira o poder o seu sustento? Mas também porque me parece que esta hipótese torna possível conceber tanto a política como, mais geralmente, a esfera da acção humana de um modo novo e inovador.
De facto, inactividade não significa mera inacção, ou não fazer nada. Pelo contrário, o que está em questão é uma inactividade que consiste em tornar inactivo, o desactivar ou désoeuvrement de todas as actividades, tanto humanas como divinas.
(...) Espinoza usa a imagem da inactividade para definir a mais alta liberdade a que os seres humanos são capazes de aspirar. [Espinoza fala] de uma “acquiescentia in se ipso,” um descanso ou descoberta de paz no interior de nós mesmos que ele define como “uma alegria nascida do facto de que o homem se considera a si mesmo e ao seu poder de actuar”. O que quer dizer considerar o nosso próprio poder de actuar? Como devemos conceber uma inactividade que consiste na contemplação do nosso próprio poder, daquilo que somos e não somos capazes de fazer?
Mais uma vez, a contemplação do poder não é mero ócio ou paralisia. Em vez disso, é algo como uma inactividade interna à actividade ela própria, que consiste em tornar inactivo todo o poder particular de agir e de fazer. A vida que contempla o seu próprio poder torna-se a si própria inactiva em todas as suas actividades.
Um exemplo ajudará a clarificar a natureza desta actividade inactiva. O que é de facto um poema senão uma actividade linguística que consiste em tornar a linguagem inactiva, em desactivar as suas funções comunicacionais e informacionais de modo a abri-la a um novo uso potencial? (...) o sujeito poético não é o indivíduo que escreveu [os] poemas, mas antes o sujeito que nasce no ponto em que a linguagem foi levada à inactivade e se tornou, no interior desse sujeito e para ele, puramente falável."

Extractos de Giorgio Agamben. Arte, Inactividade, Política, in Thinking Worlds – The Moscow Conference on Philosophy, Politics and Art, Sternberg Press, Berlim, 2008. Tradução informal MCC.

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