Ante-metamorfose
Jorge
de Sena
Ao
pé dos cardos sobre a areia fina
que o vento a pouco e pouco amontoara
contra o seu corpo (mal se distinguia
tal como as plantas entre a areia arfando)
um deus dormia. Há quanto tempo? Há quanto?
E um deus ou deusa? Quantos sóis e chuvas,
quantos luares nas águas ou nas nuvens,
tisnado haviam essa pele tão lisa
em que a penugem tinha areia esparsa?
Negros cabelos se espalhavam onde
que o vento a pouco e pouco amontoara
contra o seu corpo (mal se distinguia
tal como as plantas entre a areia arfando)
um deus dormia. Há quanto tempo? Há quanto?
E um deus ou deusa? Quantos sóis e chuvas,
quantos luares nas águas ou nas nuvens,
tisnado haviam essa pele tão lisa
em que a penugem tinha areia esparsa?
Negros cabelos se espalhavam onde
Nos
braços recruzados se escondia o rosto.
E
os olhos? Abertos ou fechados? Verdes ou castanhos
no
breve espaço em que o seu bafo ardia?
Mas respirava? Ou só uma luz difusa
se demorava no seu dorso ondeante
que de tão nu e antigo se vestia
da confiada ausência em que dormia?
Mas respirava? Ou só uma luz difusa
se demorava no seu dorso ondeante
que de tão nu e antigo se vestia
da confiada ausência em que dormia?
Mas
dormiria? As pernas estendidas,
com
um pé sobre outro pé, e os calcanhares
um
pouco soerguidos na lembrança de asas;
as
nádegas suaves, as espáduas curvas
e
na tão leve sombra das axilas
adivinhados
pelos...Deus ou deusa?
Há quanto tempo ali dormia? Há quanto?
Ou não dormia? Ou não estaria ali?
Há quanto tempo ali dormia? Há quanto?
Ou não dormia? Ou não estaria ali?
Ao
pé dos cardos, junto à solidão
Que
quase lhe tocava do areal imenso,
Do
imenso mundo, e as águas sussurrando -
– ou não estaria ali?… E um deus ou deusa?
Imagem, só lembrança, aspiração?
De perto ou longe não se distinguia.
– ou não estaria ali?… E um deus ou deusa?
Imagem, só lembrança, aspiração?
De perto ou longe não se distinguia.
Originalmente
publicado como “Metamorfose” (Fidelidade , 1958), o poema é renomeado “Ante-metamorfose”
em 1963, passando a primeiro poema, ou “ante-poema”, do livro Metamorfoses.
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