"Mas a ideia de
que a inactividade e o désoeuvrement
definem a essência, ou melhor, a prática específica, do homem é – como decerto
terão já compreendido – precisamente a hipótese que eu vos pretendo propôr. E
não só porque me parece ser esta a única perspectiva a partir da qual é
possível encontrar uma resposta para as questões que temos vindo até aqui a
colocar: Porque precisa o poder da inactividade e da glória? O que é tão
essencial nestes para que o poder necessite de os inscrever a todo o custo no
centro vazio do seu sistema governamental? De que retira o poder o seu
sustento? Mas também porque me parece que esta hipótese torna possível conceber
tanto a política como, mais geralmente, a esfera da acção humana de um modo
novo e inovador.
De facto,
inactividade não significa mera inacção, ou não fazer nada. Pelo contrário, o
que está em questão é uma inactividade que consiste em tornar inactivo, o
desactivar ou désoeuvrement de todas
as actividades, tanto humanas como divinas.
(...) Espinoza
usa a imagem da inactividade para definir a mais alta liberdade a que os seres
humanos são capazes de aspirar. [Espinoza fala] de uma “acquiescentia in se
ipso,” um descanso ou descoberta de paz no interior de nós mesmos que ele
define como “uma alegria nascida do facto de que o homem se considera a si
mesmo e ao seu poder de actuar”. O que quer dizer considerar o nosso próprio
poder de actuar? Como devemos conceber uma inactividade que consiste na
contemplação do nosso próprio poder, daquilo que somos e não somos capazes de
fazer?
Mais uma vez, a
contemplação do poder não é mero ócio ou paralisia. Em vez disso, é algo como
uma inactividade interna à actividade ela própria, que consiste em tornar
inactivo todo o poder particular de agir e de fazer. A vida que contempla o seu
próprio poder torna-se a si própria inactiva em todas as suas actividades.
Um exemplo
ajudará a clarificar a natureza desta actividade inactiva. O que é de facto um
poema senão uma actividade linguística que consiste em tornar a linguagem
inactiva, em desactivar as suas funções comunicacionais e informacionais de
modo a abri-la a um novo uso potencial? (...) o sujeito poético não é o
indivíduo que escreveu [os] poemas, mas antes o sujeito que nasce no ponto em
que a linguagem foi levada à inactivade e se tornou, no interior desse sujeito
e para ele, puramente falável."
Extractos de Giorgio
Agamben. Arte, Inactividade, Política, in Thinking Worlds – The Moscow
Conference on Philosophy, Politics and Art, Sternberg Press, Berlim, 2008.
Tradução informal MCC.
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